“A arte é a contemplação: é o prazer do espírito que penetra a natureza e
descobre que ela também tem uma alma. É a missão mais sublime do homem, pois é
o exercício do pensamento que busca compreender o universo, e fazer com que os
outros o compreendam.”
Auguste Rodin
Em 1994 Valdemir de Souza - o Palhaço Maneco Maracá - e a sua
companheira Seluta Rodrigues migram do Baixo Araguaia no Mato Grosso à capital
Goiana com os corações carregados de sonhos, como o céu está carregado de
estrelas. Traziam nas malas, entre as suas roupas coloridas e o pouco conforto
do qual dispunham, o desejo imenso de levar a alegria por onde quer que fossem
e fazer a diferença num mundo onde a ambição há muito se confunde com o desejo
puro e simples de ser feliz. Já em solo goiano, o casal recém instalado, após
um breve sacolejar da poeira agreste da sua longa viajem, funda o Grupo de
Teatro Laheto que, entre estudos, pesquisas e montagens, viaja por todo o
estado levando apresentações de espetáculos que misturam o circo, o teatro e o
encantamento.
Em 1996, no Bairro Dom Fernando, na grande Goiânia, o Grupo Laheto
funda o Projeto Arte, Circo e Cidadania, visando o atendimento às crianças e adolescentes oriundas de famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica. O Projeto
também buscava formar e capacitar artistas circenses e educadores com o
objetivo de consolidar e multiplicar a proposta educacional do Grupo:
proporcionar uma educação integrada por meio da arte circense.
No ano 2000, o Grupo transfere as suas atividades para o
Parque da Criança e inaugura a Escola de Circo Laheto, voltada para o
atendimento às crianças e adolescentes em situação de rua e de risco daquela
região, tornando-se rapidamente referencia nacional em educação e membro da
Rede Mundial de Circo, apoiada por ninguém menos que
o Cirque du Soleil. Logo, e inevitavelmente, vieram os prêmios de
reconhecimento nacional, que já passam de uma dúzia. Entre eles, podemos
destacar o Prêmio Itaú-Unicef, com o qual o Projeto foi contemplado duas vezes
e os prêmios Cultura Viva e Escola Viva do Ministério da Cultura.
Apesar de todas as provas da sua excelência, o Circo sofre um
despejo da área onde se encontrava instalado para a construção do novo Fórum.
Logo, se reinstala em uma área próxima à construção. O então procurador-geral
do governo, João Furtado, promete providenciar a regularização da nova área,
assegurando a permanência do Circo no local. O Procurador não cumpre o
prometido e surgem novas ameaças de despejo.
Reconhecidamente uma instituição educacional capaz de
proporcionar uma aprendizagem integrada para o desenvolvimento cultural,
cognitivo, emocional e psicossocial dos seus alunos, a então recém criada
Escola de Circo logo revela-se uma grande fábrica de talentos e os espetáculos
montados pela Companhia tornam-se apresentações obrigatórias em Mostras e
Festivais de todo o estado, encantando os expectadores por onde passa. Ano após
ano, os projetos da Companhia se superam em inovação e criatividade. Vale citar
o espetáculo “A História de Goiás no Picadeiro” e o projeto “Quadrilha nas Pernas-De-Pau”, dois grandes
difusores da nossa cultura regional apresentados através da ótica do espetáculo
circense.
No dia 13 de dezembro de 2012
acontece o que parecia inevitável: a Assembléia Legislativa de Goiás aprova o
projeto de lei nº 152, que autoriza o governo do Estado a vender 41 áreas
públicas situadas na capital goiana, entre as quais está o Parque da Criança,
local onde se encontra instalado o Circo Laheto.
No dia 21 de dezembro,
curiosamente a data do meu aniversário, o Circo Laheto realiza a cerimônia de
encerramento das suas atividades letivas, com uma belíssima apresentação dos
alunos da Escola de Circo – eu não poderia receber um presente melhor. A
platéia parecia encantada com a beleza e a graciosidade daquelas tenras
criaturas, algumas delas mal completaram a idade necessária pra se equilibrar sozinhas
sobre os próprios pés e já estavam ali no picadeiro, nos ensinando a voar. Mas,
apesar de toda a magia que envolve o mundo lúdico do espetáculo, pareciam
visíveis a preocupação e a tristeza nos olhares de todos ali presentes,
principalmente nos olhos do grande Maneco Maracá, que parecia trazer na
garganta um nó ainda
maior que os seus sonhos. Ao apresentar
o espetáculo, fez um apelo emocionado em prol daquele que fora o investimento
de toda a sua vida, através do qual dezenas e dezenas de crianças trocaram os
riscos de um futuro incerto pela nobre missão de espalhar a alegria pelos
quatro cantos da Terra. No ato de encerramento do espetáculo, os educadores
convidaram toda a platéia pra formar uma grande ciranda em volta do picadeiro,
onde se encontravam os pequenos artistas, simbolizando a proteção que todos nós
devemos prestar àquelas crianças. Responsabilidade essa que se estende a cada
cidadão consciente dos seus deveres sociais.
Nas últimas décadas, a nossa
sociedade vem crescendo desordenadamente, como um tumor de aço e concreto,
impulsionado pelo desejo incontrolável de possuir, sem medir as conseqüências dessa
destruição desmedida, roubando os sonhos das nossas crianças pra vender
desejos de consumo inútil aos adultos. Por vezes, e contra a correnteza do
consumo desenfreado, nós artistas ainda nos esforçamos em lembrar a todos que
a alma existe e pede alimento. Pois é comum aos adultos atarefados com os seus
afazeres diários se esquecerem da sua existência, assim como se esquecem tão
facilmente que somos todos responsáveis pelos caminhos que toma a nossa
sociedade torta e sem direção. Mas se você ainda se lembra, ou nunca se
esqueceu do valor que tem a sua alma, assine o nosso abaixo-assinado em defesa
do Circo Laheto e de tudo o que ele representa para a nossa cultura:
Warcelon Duque