O MINISTÉRIO DO INTERESSE PRIVADO

Com a promessa de transformar o Ministério da Cultura em um espaço para a experimentação de novos caminhos, através da abertura para o diálogo entre a sociedade civil e o Ministério, o então recém nomeado Ministro da Cultura, Gilberto Gil, assumiu a Pasta sob olhares desconfiados e previsões, no mínimo, desanimadoras.

Antes gerido pelos governos neoliberais como uma pasta de valor secundário, visto como mero gestor de negócios e interesses das grandes corporações culturais, o Ministério da Cultura transformou-se rapidamente em um espaço de articulação para o nascimento de uma nova Cultura amplamente democrática.

Com características marcantes como: o desenvolvimento do conceito de Cultura Digital, até então inexistente no país; a política dos Pontos de Cultura, que criou mais de 3.000 Pontos de Cultura em todo o país, descentralizando e democratizando o acesso à cultura; e a flexibilização dos direitos autorais, o Ministério da Cultura elevou o Brasil a um novo patamar nas relações internacionais, sendo elogiado por grandes veículos de comunicação como o jornal The New York Times.

Com o ambicioso projeto de criar uma casa de cultura em cada município do país, a gestão Gilberto Gil/Juca Ferreira, de um mero produto mercadológico, cujo objetivo fora, em outras gestões, gerar lucros e sustentar modelos de negócio capitalistas, tornou-se, a partir desse momento, um bem inerente à todos os cidadãos brasileiros, independente de suas condições sociais ou geográficas. Agora, ao invés de um mero agente de repasse de verbas para as instituições privadas, temos, comprovadamente, um agente transformador da realidade cultural em todo o país, democratizando e descentralizando as ações de fomento e realização cultural: o Plano Nacional de Cultura.

Durante os oito anos do governo Lula, o orçamento da cultura passou de 0,2% em 2002, para mais de 1% em 2010, aumentando em mais de 400% a receita destinada à cultura, subindo de R$ 540 milhões, em 2003, para R$ 2,2 bilhões em 2011. Nesse mesmo período, de acordo com o Ministério, a renúncia fiscal para a produção cultural passou de R$ 400 milhões para mais de R$ 1 bilhão. Como resultado, pela primeira vez na história desse país, o Ministério da Cultura foi recebido com paridade, em relação aos outros ministérios. O professor Antonio Albino Canelas Rubim, autor do livro Políticas culturais no governo Lula, chegou a afirmar: ”Eu posso dizer que, pela primeira vez, nós tivemos um Ministério da Cultura”.

Ao assumir o mandato, em janeiro de 2011, contrariando a articulação de artistas e movimentos sociais, que insistiam pela continuidade das políticas culturais do Governo Lula e pela permanência de Juca Ferreira no Ministério, a presidente Dilma indicou a escritora Ana de Hollanda para efetivar a pasta, afirmando o desejo de experimentar uma maior participação das mulheres nos ministérios.

Logo nos primeiros dias de gestão, ao retirar do site do MinC o selo do Creative Commons, a recém nomeada Ministra da Cultura, chamada por muitos de Ministra do Ecad, torna pública e evidente a ruptura da atual gestão com a continuidade das políticas culturais adotadas no governo Lula. 


Acusada de advogar em defesa dos interesses do Ecad, órgão investigado por formação de quadrilha, cartelização, apropriação indébita e gestão fraudulenta, a Ministra rebateu as acusações, mas continuou defendendo os interesses do órgão. Seu envolvimento torna-se ainda mais evidente ao nomear Márcia Regina Barbosa, indicada por Hildebrando Pontes, advogado do Ecad, para a diretoria de Direitos Intelectuais do MinC.

Ao propor a revisão da Lei de Direito Autoral, a Ministra se opõe à proposta de flexibilização do direito autoral, vista como um grande avanço democrático na descentralização dos direitos da propriedade intelectual, que nos deixara em posição de vanguarda nas discussões sobre direito autoral em todo o mundo; ela justifica suas ações dizendo: “Os direitos autorais devem respeitar acordos internacionais”, referindo-se ao “modelo americano” imposto pelas grandes gravadoras e mega corporações estranjeiras como a Sony Music, Warner, EMI e Universal. De tal maneira, a atual Ministra impõe um retrocesso, no qual deixamos a condição de protagonistas nas relações internacionais, para regredir ao estado de mera colônia de exploração e arrecadação.

O Ecad, órgão de natureza privada, regido por empresas multinacionais, insubordinado às leis brasileiras, que pouco ou quase nada beneficia os artistas regionais, vem batendo, mês a mês, novos recordes de arrecadação e de cobranças indevidas, como no caso do cantor Frank Aguiar, que recebeu, recentemente, uma cobrança por reproduzir suas próprias músicas em uma festa na sua própria casa.

A ilegitimidade da então Ministra se faz valer a partir do momento em que o atual Ministério, através de ferramentas inconstitucionais, dissolve as políticas públicas para a Cultura, ferindo o Plano Nacional de Cultura, resultado de oito anos de diálogos insessantes entre o Ministério da Cultura e a sociedade civil, em prol de interesses levianos de corporações estranhas à nossa Pátria Amada, o bem maior de todo brasileiro.

Manifesto publicamente o meu repúdio às ações da senhora Ana Buarque de Hollanda, que ofende o Estado Democrático de Direito, ao fazer uso de uma posição privilegiada para defender interesses capitais de instituições criminosas.


Warcelon Duque