“NÃO ME SIGAM PORQUE EU ESTOU PERDIDO”

A frase que apareceu na tarde dessa quarta-feira, dia 14, inscrita na escultura do artista plástico Siron Franco para a CowParede, vista por alguns como “pixação”, por outros como mera intervenção urbana - ação inevitável na arte de rua - levantou uma série de questões sobre a efemeridade da arte e quais os valores realmente relevantes para uma população que não pode contar com os serviços mínimos de saúde, educação e segurança públicas, elementos essenciais para uma vida digna, e ainda deve, como cidadãos, se preocupar com assuntos como tolerância e respeito à um objeto de propriedade privada, jogado no meio de um passeio público. 

A CowParade nasceu em 1998, quando o artista suíço Pascal Knapp criou algumas esculturas em fibra de vidro com o formato de uma vaca, animal símbolo do país, com a mera intenção de provocar risos em quem se deparasse com aqueles estranhos objetos no meio da rua. Em 2000, a recém-criada empresa americana CowParade Holding Inc. comprou os direitos das esculturas de Knapp e as transformou na maior exposição de arte ao ar livre do planeta. No Brasil, os direitos da exposição foram adquiridos pela Toptrends, uma agência de propaganda chefiada pela empresária francesa Catherine Duvignau e pela paulista Ester Krivkin. As duas também coordenam a Exposição em todo o país.

Polêmica, de valor artístico questionável, não é raro a exposição levantar manifestações por onde passa. O filósofo paulista Nelson Brissac afirmou que “um objeto decorativo em um espaço público não significa que seja arte". "Isto está mais próximo de um produto de entretenimento, não tem consistência artística, muito menos urbana. É um formato limitador", disse o professor, que também é o organizador e curador do Arte/Cidade, projeto de intervenções urbanas. Na Suécia, o grupo The Militant Graffiti Artists of Stockholm sequestrou uma das vacas e postou um vídeo ameaçando decapitar a escultura caso os participantes não assinassem uma carta declarando que a CowParade não era um evento de arte. Visto que suas exigências não foram atendidas, a vaca foi feita em pedaços e enviada para os organizadores dentro de um saco. Em Londres, um grupo de ativistas jogou uma das esculturas dentro de um rio. Em Curitiba, uma das mimosas vaquinhas rolou por uma escadaria, por não agradar a um grupo que passava pelo local.

Ao chegar à capital goiana, o evento já levantou polêmica pela forma como foi financiado: devido à ausência de interesse da iniciativa privada, a Secretaria Municipal de Cultura, que ainda não efetuou os pagamentos dos cachês aos artistas que participaram de eventos culturais do município no ano passado, como a Revirada Cultural e o Goiânia em Cena, pagou todo o montante do projeto com dinheiro público, contrariando o histórico do evento, que sempre contou com a participação do capital privado. O custo total da exposição é de 1,5 milhões de reais. A prefeitura pagou, por cada peça, cerca de 30 mil reais para a Empresa realisadora, sendo que, desse montante, fora repassado, para cada artista, o valor simbólico de 500 reais, isso após assinarem um contrato que garante à CowParade Holding “todos os direitos” comerciais das obras. Direitos esses que já renderam à Empresa mais de 75 milhões de dólares em produtos licenciados. Uma única miniatura das peças dos artistas pode custar até 69 dólares, mais despesas de envio, no site oficial da Empresa. 

Na cerimônia de lançamento, o prefeito de Goiânia, Paulo Garcia, afirmou que a exposição traria um grande retorno em turismo para a capital, ignorando o fato de que nenhuma das sedes anteriores tivera um aumento significativo no turismo, ou que a comunidade artística internacional não tem visto com bons olhos este, que mais se assemelha a uma grande jogada de marketing, e não a um projeto de inclusão sócio cultural, pois, dos valores arrecadados nos leilões, apenas 50 por cento é doado, e as instituições contempladas com as doações são escolhidas pelos patrocinadores das peças. Ainda assim, Paulo Garcia não economizou palavras ao afirma que “Goiânia entraria para o calendário mundial”.

Warcelon Duque