CIRCO LAHETO: UM PATRIMÔNIO DA ALMA À BEIRA DO DESPEJO.


“A arte é a contemplação: é o prazer do espírito que penetra a natureza e descobre que ela também tem uma alma. É a missão mais sublime do homem, pois é o exercício do pensamento que busca compreender o universo, e fazer com que os outros o compreendam.”
Auguste Rodin

Em 1994 Valdemir de Souza - o Palhaço Maneco Maracá - e a sua companheira Seluta Rodrigues migram do Baixo Araguaia no Mato Grosso à capital Goiana com os corações carregados de sonhos, como o céu está carregado de estrelas. Traziam nas malas, entre as suas roupas coloridas e o pouco conforto do qual dispunham, o desejo imenso de levar a alegria por onde quer que fossem e fazer a diferença num mundo onde a ambição há muito se confunde com o desejo puro e simples de ser feliz. Já em solo goiano, o casal recém instalado, após um breve sacolejar da poeira agreste da sua longa viajem, funda o Grupo de Teatro Laheto que, entre estudos, pesquisas e montagens, viaja por todo o estado levando apresentações de espetáculos que misturam o circo, o teatro e o encantamento.

Em 1996, no Bairro Dom Fernando, na grande Goiânia, o Grupo Laheto funda o Projeto Arte, Circo e Cidadania, visando o atendimento às crianças e adolescentes oriundas de famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica. O Projeto também buscava formar e capacitar artistas circenses e educadores com o objetivo de consolidar e multiplicar a proposta educacional do Grupo: proporcionar uma educação integrada por meio da arte circense.

No ano 2000, o Grupo transfere as suas atividades para o Parque da Criança e inaugura a Escola de Circo Laheto, voltada para o atendimento às crianças e adolescentes em situação de rua e de risco daquela região, tornando-se rapidamente referencia nacional em educação e membro da Rede Mundial de Circo, apoiada por ninguém menos que o Cirque du Soleil. Logo, e inevitavelmente, vieram os prêmios de reconhecimento nacional, que já passam de uma dúzia. Entre eles, podemos destacar o Prêmio Itaú-Unicef, com o qual o Projeto foi contemplado duas vezes e os prêmios Cultura Viva e Escola Viva do Ministério da Cultura.

Apesar de todas as provas da sua excelência, o Circo sofre um despejo da área onde se encontrava instalado para a construção do novo Fórum. Logo, se reinstala em uma área próxima à construção. O então procurador-geral do governo, João Furtado, promete providenciar a regularização da nova área, assegurando a permanência do Circo no local. O Procurador não cumpre o prometido e surgem novas ameaças de despejo.

Reconhecidamente uma instituição educacional capaz de proporcionar uma aprendizagem integrada para o desenvolvimento cultural, cognitivo, emocional e psicossocial dos seus alunos, a então recém criada Escola de Circo logo revela-se uma grande fábrica de talentos e os espetáculos montados pela Companhia tornam-se apresentações obrigatórias em Mostras e Festivais de todo o estado, encantando os expectadores por onde passa. Ano após ano, os projetos da Companhia se superam em inovação e criatividade. Vale citar o espetáculo “A História de Goiás no Picadeiro” e o projeto “Quadrilha nas Pernas-De-Pau”, dois grandes difusores da nossa cultura regional apresentados através da ótica do espetáculo circense.

No dia 13 de dezembro de 2012 acontece o que parecia inevitável: a Assembléia Legislativa de Goiás aprova o projeto de lei nº 152, que autoriza o governo do Estado a vender 41 áreas públicas situadas na capital goiana, entre as quais está o Parque da Criança, local onde se encontra instalado o Circo Laheto.

No dia 21 de dezembro, curiosamente a data do meu aniversário, o Circo Laheto realiza a cerimônia de encerramento das suas atividades letivas, com uma belíssima apresentação dos alunos da Escola de Circo – eu não poderia receber um presente melhor. A platéia parecia encantada com a beleza e a graciosidade daquelas tenras criaturas, algumas delas mal completaram a idade necessária pra se equilibrar sozinhas sobre os próprios pés e já estavam ali no picadeiro, nos ensinando a voar. Mas, apesar de toda a magia que envolve o mundo lúdico do espetáculo, pareciam visíveis a preocupação e a tristeza nos olhares de todos ali presentes, principalmente nos olhos do grande Maneco Maracá, que parecia trazer na garganta um nó ainda maior que os seus sonhos.  Ao apresentar o espetáculo, fez um apelo emocionado em prol daquele que fora o investimento de toda a sua vida, através do qual dezenas e dezenas de crianças trocaram os riscos de um futuro incerto pela nobre missão de espalhar a alegria pelos quatro cantos da Terra. No ato de encerramento do espetáculo, os educadores convidaram toda a platéia pra formar uma grande ciranda em volta do picadeiro, onde se encontravam os pequenos artistas, simbolizando a proteção que todos nós devemos prestar àquelas crianças. Responsabilidade essa que se estende a cada cidadão consciente dos seus deveres sociais.

Nas últimas décadas, a nossa sociedade vem crescendo desordenadamente, como um tumor de aço e concreto, impulsionado pelo desejo incontrolável de possuir, sem medir as conseqüências dessa destruição desmedida, roubando os sonhos das nossas crianças pra vender desejos de consumo inútil aos adultos. Por vezes, e contra a correnteza do consumo desenfreado, nós artistas ainda nos esforçamos em lembrar a todos que a alma existe e pede alimento. Pois é comum aos adultos atarefados com os seus afazeres diários se esquecerem da sua existência, assim como se esquecem tão facilmente que somos todos responsáveis pelos caminhos que toma a nossa sociedade torta e sem direção. Mas se você ainda se lembra, ou nunca se esqueceu do valor que tem a sua alma, assine o nosso abaixo-assinado em defesa do Circo Laheto e de tudo o que ele representa para a nossa cultura:


Warcelon Duque


SEGUNDA MANIFESTAÇÃO DO "DIA DA VERDADE"



Cultura, do latim "colere", significa cultivar. Entre os povos romanos, esse termo era comumente usado na agricultura, referindo-se ao cultivo da terra para a produção do alimento. Alimento que nos mantém vivos, a Cultura pode ter tantos significados quanto a imaginação possa criar. Em 1952, os antropólogos Alfred Kroeber e Clyde Kluckhohn apresentaram cerca de 167 definições diferentes para Cultura, mas podemos, de uma forma mais simples, definí-la como "todo o complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade". 

Nessa segunda-feira, dia dois, os Artistas, Grupos e Associações Culturais que compõem o Fórum Permanente de Cultura saíram às ruas para a Segunda Passeata do Dia da Verdade. A tarde chuvosa tentava nos dizer que aquela não seria uma boa hora para estarmos ali, mas a chuva, que parecia muita para os que passavam pela praça do Bandeirante, onde nos reunimos para o início da passeata, não foi suficiente para esfriar os nossos ânimos. Quando muito, refrescou as mentes e os corpos de todos que, contrários ao infeliz motivo desse encontro, se embalavam nas batidas da bateria que não cessou, mesmo quando os suaves pingos da garoa, que persistia tarde a dentro, tiveram a ousadia de tomar a força  de uma chuva de verão, digna de ventos fortes o bastante para levantar as saias das moças desprevenidas. E, nesse clima de tarde chuvosa, com poucos espectadores caminhando pelas ruas, o Cortejo seguiu em direção ao seu destino: a Secretaria Municipal de Cultura. Passando pelo Centro Administrativo, sede do governo estadual, não poderíamos deixar de dar uma paradinha para dizer que "não nos esquecemos" e que estamos de olho. Ao chegarmos na Secretaria Municipal de Cultura, o destino da manifestação, fomos logo recebidos por três viaturas da Guarda Municipal. Os guardas, que não podem portar armas de fogo, saíram das viaturas desfilando suas temidas armas "Taser", com pose de quem espera um único movimento brusco para fazer jus ao seu salário miserável. Aqueles homens de fardas pretas, e caras de quem não está para conversa, diziam claramente, com seus olhares, que não éramos bem vindos naquele lugar. Mas eles não precisariam estar ali para sabermos disso.

O Fórum Permanente de Cultura foi a primeira entidade a denunciar os desvios de verba pública da gestão Kleber Adorno. As provas que, de longe, não são poucas, vêm se acumulando desde 2005, quando foram descobertos os primeiros desvios. Até as últimas informações que tivemos acerca do Inquérito, foram desviados, pelas cinco empresas ligadas, direta ou indiretamente, aos servidores da Secult, quatro milhões e setecentos mil reais, através de projetos como o Revirada Cultural, o Goiânia Canto de Ouro, o Segunda Aberta, o Grande Hotel Vive o Choro, o CIEMA e o FestCine nas Escolas. Em alguns desses projetos, a quadrilha fazia uso dos nomes dos artistas em falsificações grosseiras de documentos de prestação de serviços, dos quais os artistas tiveram conhecimento apenas após serem convocados para prestar depoimento na Derccap.

Fazer Cultura é pertencer a um meio, cultivando seu passado, à partir das suas raízes e gerando novos frutos pelo conhecimento do presente. Para existirmos, não basta termos consciência do "ser" que somos, mas é preciso "pertencer" ao meio, compartilhando o ser. Cultura é a transformação do meio social, recriando o novo a partir do velho, dando nova forma ao que, antes, fora formado. Sendo o homem elemento central de toda Cultura, é o produto do meio e o meio da produção, é sujeito e objeto da sua própria criação.

Ao se afastar da Secretaria, Kleber Adorno indicou, como seu substituto, o maestro Joaquim Jaime. Um velho amigo sempre presente em todas as suas gestões, o Maestro afirmou que estaria ocupando "temporariamente" a pasta, pois tinha a certeza de que o ex-Secretário voltaria a ocupá-la. Kleber Adorno, que é escritor, guarda no curriculum polêmicas no mínimo assustadoras, como o caso de "plágio" em sua tese de doutorado, que o levou a ser acusado de ter "comprado a tese". Sua gestão foi marcada por uma ausência de diálogos com os realizadores culturais, por uma relação clientelista e pela permanência constante de um pequeno grupo de beneficiados, como o caso de Doracino Naves, que foi contemplado com três projetos na Lei Municipal de Incentivo à Cultura quando presidia a Comissão de Seleção de Projetos e, no ano seguinte, foi indicado por Kleber para ocupar a pasta em seu lugar, num continuismo vicioso e alienador, o qual não deve apenas ser combatido, mas erradicado.

Cultura é Identidade. Está presente em todos os valores de um povo, nos significados compreendidos por cada indivíduo, na leitura do seu olhar, no ton da sua fala, no seu jeito de vestir. A Cultura está impregnada na alma de cada ser social. Valorizar a Cultura é garantir a continuidade da "Marca" de um povo. Cada cidadão tem o direito e o dever de garantir a permanência e a difusão da Cultura do seu povo. O Fórum Permanente de Cultura é uma ferramenta de luta pela democratização das nossas Gestões Culturais buscando, nos três poderes do Estado Democrático de Direito, a implantação e a manutenção de novas Políticas Públicas para a Cultura no estado de Goiás. Participe você também. 

Warcelon Duque

O MINISTÉRIO DO INTERESSE PRIVADO

Com a promessa de transformar o Ministério da Cultura em um espaço para a experimentação de novos caminhos, através da abertura para o diálogo entre a sociedade civil e o Ministério, o então recém nomeado Ministro da Cultura, Gilberto Gil, assumiu a Pasta sob olhares desconfiados e previsões, no mínimo, desanimadoras.

Antes gerido pelos governos neoliberais como uma pasta de valor secundário, visto como mero gestor de negócios e interesses das grandes corporações culturais, o Ministério da Cultura transformou-se rapidamente em um espaço de articulação para o nascimento de uma nova Cultura amplamente democrática.

Com características marcantes como: o desenvolvimento do conceito de Cultura Digital, até então inexistente no país; a política dos Pontos de Cultura, que criou mais de 3.000 Pontos de Cultura em todo o país, descentralizando e democratizando o acesso à cultura; e a flexibilização dos direitos autorais, o Ministério da Cultura elevou o Brasil a um novo patamar nas relações internacionais, sendo elogiado por grandes veículos de comunicação como o jornal The New York Times.

Com o ambicioso projeto de criar uma casa de cultura em cada município do país, a gestão Gilberto Gil/Juca Ferreira, de um mero produto mercadológico, cujo objetivo fora, em outras gestões, gerar lucros e sustentar modelos de negócio capitalistas, tornou-se, a partir desse momento, um bem inerente à todos os cidadãos brasileiros, independente de suas condições sociais ou geográficas. Agora, ao invés de um mero agente de repasse de verbas para as instituições privadas, temos, comprovadamente, um agente transformador da realidade cultural em todo o país, democratizando e descentralizando as ações de fomento e realização cultural: o Plano Nacional de Cultura.

Durante os oito anos do governo Lula, o orçamento da cultura passou de 0,2% em 2002, para mais de 1% em 2010, aumentando em mais de 400% a receita destinada à cultura, subindo de R$ 540 milhões, em 2003, para R$ 2,2 bilhões em 2011. Nesse mesmo período, de acordo com o Ministério, a renúncia fiscal para a produção cultural passou de R$ 400 milhões para mais de R$ 1 bilhão. Como resultado, pela primeira vez na história desse país, o Ministério da Cultura foi recebido com paridade, em relação aos outros ministérios. O professor Antonio Albino Canelas Rubim, autor do livro Políticas culturais no governo Lula, chegou a afirmar: ”Eu posso dizer que, pela primeira vez, nós tivemos um Ministério da Cultura”.

Ao assumir o mandato, em janeiro de 2011, contrariando a articulação de artistas e movimentos sociais, que insistiam pela continuidade das políticas culturais do Governo Lula e pela permanência de Juca Ferreira no Ministério, a presidente Dilma indicou a escritora Ana de Hollanda para efetivar a pasta, afirmando o desejo de experimentar uma maior participação das mulheres nos ministérios.

Logo nos primeiros dias de gestão, ao retirar do site do MinC o selo do Creative Commons, a recém nomeada Ministra da Cultura, chamada por muitos de Ministra do Ecad, torna pública e evidente a ruptura da atual gestão com a continuidade das políticas culturais adotadas no governo Lula. 


Acusada de advogar em defesa dos interesses do Ecad, órgão investigado por formação de quadrilha, cartelização, apropriação indébita e gestão fraudulenta, a Ministra rebateu as acusações, mas continuou defendendo os interesses do órgão. Seu envolvimento torna-se ainda mais evidente ao nomear Márcia Regina Barbosa, indicada por Hildebrando Pontes, advogado do Ecad, para a diretoria de Direitos Intelectuais do MinC.

Ao propor a revisão da Lei de Direito Autoral, a Ministra se opõe à proposta de flexibilização do direito autoral, vista como um grande avanço democrático na descentralização dos direitos da propriedade intelectual, que nos deixara em posição de vanguarda nas discussões sobre direito autoral em todo o mundo; ela justifica suas ações dizendo: “Os direitos autorais devem respeitar acordos internacionais”, referindo-se ao “modelo americano” imposto pelas grandes gravadoras e mega corporações estranjeiras como a Sony Music, Warner, EMI e Universal. De tal maneira, a atual Ministra impõe um retrocesso, no qual deixamos a condição de protagonistas nas relações internacionais, para regredir ao estado de mera colônia de exploração e arrecadação.

O Ecad, órgão de natureza privada, regido por empresas multinacionais, insubordinado às leis brasileiras, que pouco ou quase nada beneficia os artistas regionais, vem batendo, mês a mês, novos recordes de arrecadação e de cobranças indevidas, como no caso do cantor Frank Aguiar, que recebeu, recentemente, uma cobrança por reproduzir suas próprias músicas em uma festa na sua própria casa.

A ilegitimidade da então Ministra se faz valer a partir do momento em que o atual Ministério, através de ferramentas inconstitucionais, dissolve as políticas públicas para a Cultura, ferindo o Plano Nacional de Cultura, resultado de oito anos de diálogos insessantes entre o Ministério da Cultura e a sociedade civil, em prol de interesses levianos de corporações estranhas à nossa Pátria Amada, o bem maior de todo brasileiro.

Manifesto publicamente o meu repúdio às ações da senhora Ana Buarque de Hollanda, que ofende o Estado Democrático de Direito, ao fazer uso de uma posição privilegiada para defender interesses capitais de instituições criminosas.


Warcelon Duque

O ADORNO DA VAIDADE

Na noite dessa terça-feira, dia 20, tivemos mais uma reunião do Fórum Permanente de Cultura que, mediante a gravidade das informações veiculadas ao longo da semana, sobre o afastamento do então secretário de Cultura Kleber Adorno, prometia um debate tenso, com palavras e olhares tão amargos como decepcionados. No início se fazia notória, no rosto de cada participante, a decepção e o cansaço de sete anos de luta contra uma gestão fraudulenta que, no final, ainda ameaça terminar como se nada tivesse acontecido. Entre as acusações apresentadas estão: estelionato, formação de quadrilha e favorecimento de empresas privadas em licitações.  

A corrupção está presente, de tal maneira, em todas as pastas dos nossos serviços públicos, que eu compararia um político honesto a um jovem que, no auge da sua virilidade, fora convidado a viver, por quatro anos, no mais requintado Puteiro de uma cidade, com o nobre direito de desfrutar, com muito gozo, das mais fogosas de suas messalinas. Mas, ainda assim, escolhera de bom grado manter intocada a sua castidade. É muito fácil se deixar tentar por um erro que traga tantos benefícios quanto o dinheiro possa comprar. Difícil é guardar no coração, após anos de esforço, estudo e dedicação, amor suficiente para entendermos que, vez ou outra, serão meia dúzia de aplausos ou alguns sorrisos tímidos, o nosso único pagamento por um dia inteiro de trabalho. E esse tem sido o pagamento recebido pelos Trabalhadores da Cultura no estado de Goiás ao longo desses anos. 

Logo, alguns sorrisos se esboçaram, trazendo todos de volta à lucidez de que somos artistas e não devemos nos manifestar de outra maneira senão com a alegria estampada no rosto. E, num lapso de sanidade, desses que não nos visitam com tamanha frequência, dado que somos quase sempre tomados pelas rédeas do “bom comportamento” social, nosso companheiro Leo Pereira, um desses raros seres capazes de enxergar uma verdade que, de tão óbvia, torna-se, para todos os que ainda não se despiram dos olhos egoístas da vaidade, um enigma indecifrável: que viemos ao mundo para semear as sementes, antes que possamos colher os tão desejados frutos desse deleite, afirmou o que parecia inegável: “Vamos então voltar para as ruas”. O que mais teríamos a fazer, se a vitória que buscamos não é o fim, propriamente dito, mas o caminho o qual trilhamos?

Quem nunca sentiu no peito uma vontade imensa de sair as rua e dizer tudo o que pensa? Bando de Canalhas, Filhos da Puta, Ladrões! Ou partir logo para a violência, sem medir as consequências, ou as vidas que possam ser perdidas numa barbárie? Nenhuma ofensa pode fazer do ofensor algo melhor que o ofendido, muito pelo contrário, pode transformar-nos em déspotas de nós mesmos. Sairemos às ruas, sim, para dizermos o que pensamos, mas, porque não, aprender um novo pensar: de que a raiva que sentimos não nos faz melhores do que eles. Logo, ao invés de raiva, ironia. É melhor fazer rir do que chorar. Somos homens livres quando nos tornamos a moeda de nós mesmos. Assim nos libertamos do perigo de acabarmos ceando à mesa, imunda e farta, desses tão criticados “Ladrões da Vaidade Humana”. E, assim, faremos da injustiça algo menor que o despreso que sentimos e não de nós a presa fácil dos injustos. Nenhum ladrão roubaria algo que para si mesmo não tenha um valor considerável e, para estes que nos roubam, apenas um bem tem o valor capaz de saciar o desejo ardente das suas almas: o tão desejado “Dinheiro Público”. Resta-nos sentir pena ou, porque não, um leve desprezo por pessoas que se saciam com tão pouco. 

Decididos data, hora e local, todos se dispersaram para os seus afazeres, com a nobre missão de levar adiante o chamado para mais uma Manifestação Pública dos Trabalhadores da Cultura do Estado de Goiás. Se seremos ouvidos ou não, isso não é tão importante quanto mostrarmos o que queremos e “como” queremos; quanto estar nas ruas e dizermos o “quanto valemos”.  A rua é, sem nenhuma dúvida, o verdadeiro lar de todo artista. Infelizes daqueles que um dia a deixaram para traz.

Warcelon Duque

“NÃO ME SIGAM PORQUE EU ESTOU PERDIDO”

A frase que apareceu na tarde dessa quarta-feira, dia 14, inscrita na escultura do artista plástico Siron Franco para a CowParede, vista por alguns como “pixação”, por outros como mera intervenção urbana - ação inevitável na arte de rua - levantou uma série de questões sobre a efemeridade da arte e quais os valores realmente relevantes para uma população que não pode contar com os serviços mínimos de saúde, educação e segurança públicas, elementos essenciais para uma vida digna, e ainda deve, como cidadãos, se preocupar com assuntos como tolerância e respeito à um objeto de propriedade privada, jogado no meio de um passeio público. 

A CowParade nasceu em 1998, quando o artista suíço Pascal Knapp criou algumas esculturas em fibra de vidro com o formato de uma vaca, animal símbolo do país, com a mera intenção de provocar risos em quem se deparasse com aqueles estranhos objetos no meio da rua. Em 2000, a recém-criada empresa americana CowParade Holding Inc. comprou os direitos das esculturas de Knapp e as transformou na maior exposição de arte ao ar livre do planeta. No Brasil, os direitos da exposição foram adquiridos pela Toptrends, uma agência de propaganda chefiada pela empresária francesa Catherine Duvignau e pela paulista Ester Krivkin. As duas também coordenam a Exposição em todo o país.

Polêmica, de valor artístico questionável, não é raro a exposição levantar manifestações por onde passa. O filósofo paulista Nelson Brissac afirmou que “um objeto decorativo em um espaço público não significa que seja arte". "Isto está mais próximo de um produto de entretenimento, não tem consistência artística, muito menos urbana. É um formato limitador", disse o professor, que também é o organizador e curador do Arte/Cidade, projeto de intervenções urbanas. Na Suécia, o grupo The Militant Graffiti Artists of Stockholm sequestrou uma das vacas e postou um vídeo ameaçando decapitar a escultura caso os participantes não assinassem uma carta declarando que a CowParade não era um evento de arte. Visto que suas exigências não foram atendidas, a vaca foi feita em pedaços e enviada para os organizadores dentro de um saco. Em Londres, um grupo de ativistas jogou uma das esculturas dentro de um rio. Em Curitiba, uma das mimosas vaquinhas rolou por uma escadaria, por não agradar a um grupo que passava pelo local.

Ao chegar à capital goiana, o evento já levantou polêmica pela forma como foi financiado: devido à ausência de interesse da iniciativa privada, a Secretaria Municipal de Cultura, que ainda não efetuou os pagamentos dos cachês aos artistas que participaram de eventos culturais do município no ano passado, como a Revirada Cultural e o Goiânia em Cena, pagou todo o montante do projeto com dinheiro público, contrariando o histórico do evento, que sempre contou com a participação do capital privado. O custo total da exposição é de 1,5 milhões de reais. A prefeitura pagou, por cada peça, cerca de 30 mil reais para a Empresa realisadora, sendo que, desse montante, fora repassado, para cada artista, o valor simbólico de 500 reais, isso após assinarem um contrato que garante à CowParade Holding “todos os direitos” comerciais das obras. Direitos esses que já renderam à Empresa mais de 75 milhões de dólares em produtos licenciados. Uma única miniatura das peças dos artistas pode custar até 69 dólares, mais despesas de envio, no site oficial da Empresa. 

Na cerimônia de lançamento, o prefeito de Goiânia, Paulo Garcia, afirmou que a exposição traria um grande retorno em turismo para a capital, ignorando o fato de que nenhuma das sedes anteriores tivera um aumento significativo no turismo, ou que a comunidade artística internacional não tem visto com bons olhos este, que mais se assemelha a uma grande jogada de marketing, e não a um projeto de inclusão sócio cultural, pois, dos valores arrecadados nos leilões, apenas 50 por cento é doado, e as instituições contempladas com as doações são escolhidas pelos patrocinadores das peças. Ainda assim, Paulo Garcia não economizou palavras ao afirma que “Goiânia entraria para o calendário mundial”.

Warcelon Duque

ACTA: UM NOVO ACORDO, UMA VELHA DISCUSSÃO.

O ACTA (Acordo Comercial Antifalsificação) é um tratado comercial internacional que está sendo negociado, com o objetivo de estabelecer novos padrões internacionais para o cumprimento da legislação de propriedade intelectual. Até aqui tudo bem. Mas o que preocupa nesse acordo é a maneira como está sendo organizado: o tal acordo planeja proteger as grandes corporações dos direitos civis de liberdade de expressão que todos nós viemos conquistanto ao longo dos séculos, sob a alegação de defesa dos direitos de propriedade Intelectual e Industrial.

As negociações se iniciaram em outubro de 2007, inicialmente com Estados Unidos, Japão, Suíça e União Europeia. Posteriormente se integraram ao grupo: Austrália, Canadá, Coreia do Sul, Emirados Árabes Unidos, Jordânia, Marrocos, México, Nova Zelândia e Singapura.

O acordo cria um novo Quadro Juridico Internacional, regendo suas próprias leis, independentes das outras organizações existentes.

Entre as propostas do Acordo estão:
-Criminalização da troca não comercial de arquivos pela rede mundial;
-Interceptação de comunicações sem autorização judicial;
-Incumbência aos provedores de acesso das atividades de vigilância do tráfego de arquivos e de imposição de sanções ao usuário que baixar e/ou disponibilizar arquivos protegidos por direitos autorais;
-Penalidades de diminuição da velocidade de conexão e de interrupção do acesso à rede, para o usuário que, supostamente, infringir a legislação de direitos autorais;
-Possibilidade de que uma penalidade passe da pessoa do infrator, em uma situação de compartilhamento de endereço de IP, todos os usuários serão punidos pelo crime imputado à pessoa em cujo nome estiver registrado o endereço, caso a pena cominada seja a diminuição da velocidade de conexão ou a interrupção do acesso à rede.

A grande maioria das pessoas que conheço conseguiram terminar seus estudos e concluir o curso superior, devido à recursos como a cópia não altorizada de livros e notas científicas (Xérox a 10 centavos a folha) os quais seriam inacessíveis devido ao alto custo de suas publicações. Com o novo Acordo, tais pessoas seriam automaticamente criminalizadas, estariam sujeitas aos rigores da lei e perseguidas por uma organização internacional de defesa das grandes corporações, cujos interesses são meramente financeiros, dando pouquíssimo valor aos direitos do autor, mas priorizando a exclusividade das grandes distribuidoras.

Em um país como o Brasil, onde o acesso à informação ainda é um direito de poucos, aqueles que conseguem sair da linha da pobreza precisam se fazer dessas facetas para burlar os impedimentos que a pobreza nos impõem para selecionar as Castas Superiores. Cabe a nós eleitores e cidadãos nos posicionarmos em defesa da Liberdade e contra o Retrocesso dos interesses privados.
 Warcelon Duque

A HERANÇA DOS EXCLUÍDOS


“A sociedade prepara o crime; o criminoso apenas o pratica.”
                                                       Henry Thomas Buckle

Você já olhou nos olhos de um ladrão?

Ao sair do trabalho no bairro do Botafogo, no Rio de Janeiro, voltei para casa, um pouco mais tarde que o habitual, por volta das nove e quarenta da noite. Naquela noite estava decidido a não chegar em casa sem antes dar uma boa caminhada pelo calçadão. Eu morava em Copacabana, no famoso “Duzentão” da Barata Ribeiro, edifício conhecido pelos estupros que aconteceram nos elevadores e corredores do imenso prédio sem lei. Apesar de morar em Copacabana, quase não ia à praia, mas naquele dia precisava dar ao menos uma boa olhada no mar e sentir a suavidade das pequenas ondas quebrando na beira da praia. Caminhei alguns metros pelo calçadão e, ao passar pelo suntuoso Copacabana Palace, avistei uma viatura com dois policiais na frente do prédio, fazendo a ronda noturna, o que me deu mais segurança para caminhar por mais alguns metros, pois não havia ninguém no calçadão e, é conhecido de todos, é muito perigoso caminhar por ali naquele horário. Alguns passos adiante, me deparo com um menino aparentando oito ou nove anos de idade, de pele escura como a noite, uma magreza esquelética e vestindo uma camiseta suja e rasgada que chegava a cobrir os seus joelhos. A fragilidade daquela criança não me parecia apresentar perigo algum. Logo, continuei caminhando, deixando que ele se aproximasse. Quando estava a pouco mais de dois metros do menino, ele sacou, por debaixo da camiseta, uma arma tão grande que me surpreendera ele conseguir sustentá-la com uma única mão. No mesmo instante, dois jovens, que se encontravam deitados na areia da praia, sob a penumbra da noite, saltaram como dois gatos em cima de sua presa, impedindo que eu me esquivasse. O menino, de tão pequeno, apertou a arma contra a minha barriga – era o máximo que ele podia alcançar – enquanto os dois jovens tiravam todos os meus pertences. Ao atestar que não havia mais nada para levar, os jovens correram na direção da praia, se protegendo na escuridão da noite. O menino disse para que eu me ajoelhasse ou ele puxaria o gatilho – em momento algum duvidei que ele poderia fazer isso. Ao me ajoelhar, pude então olhar nos seus olhos e me surpreendi ao ver naqueles olhinhos tristes um misto de dor, sofrimento e medo, muito medo. O menino não conseguiu olhar nos meus olhos e disse, em tom de ameaça, para que eu abaixasse a cabeça e olhasse para o chão. Abaixei o semblante e, ele, como um ratinho fujão, desapareceu na penumbra da noite. Olhei para traz e vi que os policiais não apenas viram todo o acontecido, mas riam da minha situação. Fui até os dois homens e perguntei porque não haviam feito nada. Eles me disseram que não era de sua alçada, pois não tinham permissão para fazer abordagens depois das vinte e duas horas. Naquele momento entendi o que eles estavam fazendo ali, e senti até uma certa compaixão pelos três bandidinhos que me deixaram apenas com a roupa do corpo, mas haviam sido, no mínimo, mais sinceros e corajosos. Fui até a delegacia registrar a ocorrência pois, além de levarem minha mochila com algumas roupas e equipamentos eletrônicos, levaram minha carteira com todos os meus documentos.

No dia seguinte, ao chegar no trabalho, contei para o meu sócio o ocorrido. Ele, depois de soltar uma boa gargalhada e me dar aquele caloroso tapa nas costas, me disse que “agora eu já poderia me considerar um legítimo carioca!”. Passada a raiva que toda perda origina, vez ou outra me lembrava daquele ratinho triste e me indagava: “Será que ainda lhe resta uma única ponta de esperança, ou ele já teve o mesmo destino dos tantos meninos que trocam os carrinhos de lata de óleo, com rodinhas de havaianas por metralhadoras de última geração?”

A Declaração Universal dos Direitos Humanos garante liberdade, igualdade e justiça para todos. Ao que me parece, isso não pode ser assim. Como em nossa sociedade alguém tem sempre que perder, logo, que sejam eles – os excluídos – pois já não tinham nada mesmo! “Talvez nem sintam falta desses direitos”. Mas quem, em sua sã consciência, renunciaria direitos essenciais para a própria vida?

Entre os nobres representantes da nossa elite econômica, grande parte, ou toda ela, seria totalmente capaz de compreender e aceitar as declarações da carta de 1948. Mas não seriam eles capazes de entender que aquele menino negro, sujo, que dorme na imundície das calçadas, pertence à mesma espécie que aquele bebezinho saudável e cor-de-rosa que as mães levam para passear no Shopping Center todos os dias à tarde, no banco de trás do seu carro novo?

Aqueles homens e mulheres que superlotam os presídios e cadeias de todo o país também são humanos, assim como você e eu. Ao passar próximo a um presídio, não deixe de se perguntar qual o verdadeiro motivo daquelas pessoas estarem ali. Assim como a guerra é um mecanismo eficaz para evitar a superpopulação, os presídios também servem para tirar das ruas uma boa parcela dos revoltados que não se “enquadraram” em nosso modelo sócio-econômico. Pergunte a um jovem que acabara de se aliciar no crime organizado, no tráfico de drogas, quais os motivos que o levaram até ali. Você descobrirá que a revolta está entre os principais motivos.

Onde há injustiça há sempre muita revolta, muito ódio, muita dor. Onde há injustiça, há sempre um desejo de vingança. Essa vingança é uma arma que dispara, inevitavelmente, na direção dos inocentes. E quem é o verdadeiro culpado? Aquele que segurava a arma? Um menino de nove anos de idade? Você teria coragem de afirmar isso? Eu não teria!

Warcelon Duque